quinta-feira, 1 de março de 2012

Quando a Igreja destroi a família



Parece-me que quanto mais absurdas as coisas se tornam, mais adeptos elas ganham. Ninguém desconfia do que é totalmente absurdo! É como se um assaltante que tivesse acabado de assaltar um banco, encontrasse um policial e este lhe perguntasse: O que tem em sua mochila que parece tão pesada? Então o assaltante com um sorriso simpático no rosto responderia ao policial: “Boa tarde policial. Realmente está muito pesada. Aqui estão cinquenta milhões de reais que acabei de assaltar do banco da esquina e o pior é que uma boa parte do dinheiro está em moedas!” Por ser uma situação tão absurda, o policial sorriria, balançando a cabeça, sem ao menos desconfiar que o homem estivesse falando a verdade.

Da mesma forma acontece com as coisas espirituais.

Há algum tempo eu soube que um jovem, amigo meu, recebeu de seu pastor a orientação de manter-se emocionalmente distante dos familiares com a finalidade de não sofrer. Deveria viver sem ter um vínculo muito forte com a família, pois tal vínculo poderia comprometer a qualidade de sua fé. Se assim procedesse, quando os inevitáveis conflitos surgissem, estaria imunizado do sofrimento e do desgaste espiritual gerados por eles.

Para entendermos melhor o assunto, vamos ver resumidamente algumas premissas desta “filosofia de vida” que é defendida por alguns grupos cristãos:
  1. O importante é a pessoa sentir-se bem com Deus. Ela precisa estar em paz. Nada deve gerar conflitos que possam afetar seu estado espiritual. Deve preservar a sua integridade espiritual a qualquer custo e doa a quem doer;
  2. Confrontos com pontos teológicos ou filosofias de vida diferentes de seu credo também podem causar grande prejuízo à sua vida espiritual;
  3. Os conflitos inerentes aos relacionamentos familiares devem ser evitados ao máximo, mesmo que você tenha que desprezar a família (claro que isso é dito de forma mais sociável);
  4. Quanto mais você se afastar do “mundo” e se confinar na igreja, participando de todas as suas atividades e programações, mais forte espiritualmente você será.
Se você também entende que devemos nos manter a uma “distância segura” dos familiares, é provável que esteja pensando nestes textos bíblicos como justificativa:

1. ”Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:26).
2. ”E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor de meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna.” (Mateus 19:29);
3. “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.” (Mateus 10:37)

Embora estes textos isolados sejam usados por muitas pessoas para justificar seu descomprometimento com a família em prol da “igreja” ou do “ministério”, se os mesmos forem analisados dentro de seu contexto bíblico veremos que não oferecem nenhum respaldo ao “abandono” da família. Vejamos:

Quando Deus por meio de um anjo anunciou a Zacarias, o nascimento de seu filho, João Batista, lhe disse: “E irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto.” (Lucas 1:17). Deus estava afirmando que João prepararia os corações do povo para a vinda do Ungido do Senhor. O Messias deveria encontrar corações quebrantados nos quais sua mensagem tivesse guarida. O principal objetivo da pregação de João, citado pelo anjo foi exatamente a restauração da família: “para converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos”.

A vinda do Messias poderia ter sido de qualquer outra forma, mas aprouve a Deus que Jesus, o Salvador, nascesse no seio de uma família, testificando assim da importância desta instituição no plano de Deus. O Filho de Deus nasceu em uma família humilde e ali cresceu em submissão aos seus pais terrenos. Lemos em Lucas este testemunho do Filho de Deus ainda menino: “E desceu com eles, e foi para Nazaré, e era-lhes sujeito. E sua mãe guardava no seu coração todas estas coisas.” (Lucas 2:51).

O primeiro milagre público de Jesus foi durante uma festa familiar, consagrando um casamento: “E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia; e estava ali a mãe de Jesus. E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas.” (João 2:1-2).

Muitas vezes, ao curar e libertar, Jesus orientava as pessoas a voltarem para suas famílias e testemunharem em seus lares. Vemos isso, por exemplo, com o endemoninhado gadareno que, em gratidão pelo grande livramento, queria seguir Jesus: “Jesus, porém, não lho permitiu, mas disse-lhe: Vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti.” (Marcos 5:19).

Jesus ressuscitou o filho da viúva de Naim, que era a única pessoa que tinha na família. Ressuscitou Lazaro, restaurando assim a paz em mais uma família. Curou a filha de Jairo, um dos líderes da sinagoga. Jesus se dedicava à restaurar a paz e a dignidade nas famílias. Frequentava os lares de seus discípulos. Por exemplo, curou a sogra de Pedro, o qual os católicos afirmam ter sido o primeiro Papa: “E Jesus, entrando em casa de Pedro, viu a sogra deste acamada, e com febre. E tocou-lhe na mão, e a febre a deixou; e levantou-se, e serviu-os.” (Mateus 8:14-15)

Enfim, Jesus reconhecia e honrava a família, pois sabia que esta foi constituída por Deus. Quando as famílias estavam com problemas, Jesus curava, libertava, ressuscitava, trazendo refrigério e paz à mesma. Não é, então, estranho que Jesus tenha afirmado que quem não aborrecer o seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs não é digno de Reino de Deus? Ou há uma veemente contradição na Palavra de Deus ou a interpretação é bem diferente daquela entendida à primeira vista!

Qualquer interpretação honesta e baseada no contexto neotestamentário afirmará que estes textos se referem à fidelidade ao Reino de Deus. Se referem ao dever de amar mais a Deus do que às suas criaturas. Aliás, devemos amar a Deus acima de todas as coisas, inclusive mais do que a nós mesmos.

O mesmo texto (Lucas 14:26) que diz que para seguirmos Jesus devemos ”aborrecer pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs” também diz que devemos “aborrecer” nossa própria vida. Jesus resumiu toda a Lei em apenas dois mandamentos. Estes dois mandamentos são os parâmetros para nos guiarmos neste assunto e tudo o mais que se refere ao amor: “E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mateus 22:37-40)

1. Devemos amar a Deus de todo o nosso coração! Não há como não entender esta afirmação;
2. Devemos amar nosso próximo como a nós mesmos. Aí é que mora a encrenca! Amar a Deus, todos os religiosos “igrejeiros” dizem amar, mas amar o próximo como a si próprio, cada um tem sua própria interpretação. Amar o irmão dentro da igreja é muito fácil, principalmente se tiver tocando um fundo musical bem suave e os olhos do irmão estiverem brilhando. Mas é isso que Jesus nos pediu?

Acho que não foi bem isso! Ele disse o seguinte: “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus.” (Mateus 5:44) Em momento nenhum Jesus pediu para os seus servos se isolarem do mundo e muito menos de seus familiares. Em sua oração intercessora antes de sua morte Jesus disse: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.” (João 17:15)

Em várias parábolas Jesus citou a família para referir-se ao reino de Deus e ao pai de família pra referir-se à Deus. Isto é bem explícito em Lucas 13, onde lemos: “Quando o pai de família se levantar e cerrar a porta, e começardes, de fora, a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e, respondendo ele, vos disser: Não sei de onde vós sois; Então começareis a dizer: Temos comido e bebido na tua presença, e tu tens ensinado nas nossas ruas. E ele vos responderá: Digo-vos que não sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniquidade.” (Lucas 13:25-27).

Após a ressurreição de Jesus e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, a igreja que se iniciou se reunia nos lares. As igrejas fundadas pelo apóstolo Paulo também eram nos lares. Em muitos casos as famílias eram as principais referências do cristianismo nos primórdios da Igreja.

Vemos por exemplo a família de Estéfanas: “Agora vos rogo, irmãos (sabeis que a família de Estéfanas é as primícias da Acaia, e que se tem dedicado ao ministério dos santos).” (1 Coríntios 16:15). Paulo era muito zeloso pela coerência da fé para a preservação tanto da igreja quanto da família. Escreveu para Timóteo sobre isso: “Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel.” (1 Timóteo 5:8) e “Mas, se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus.” (1 Timóteo 5:4) Também escreveu sobre isso aos gálatas: “Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gálatas 6:10) e aos colossenses: “Vós, filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor. Vós, pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo.” (Colossenses 3:20-21).

Por mais incrível que possa parecer aos líderes das igrejas de hoje o critério para escolha de obreiros na igreja primitiva não era ser dizimista fiel e nem tão pouco estar nos cultos todos os dias da semana e nem ainda abandonar tudo pela igreja, o critério era o seguinte: “Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia (Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?)” (1 Timóteo 3:4-5).

O que foi então que Jesus estava querendo dizer com aqueles textos em azul citados no início? Devemos amar! Acima de tudo, a despeito de tudo, apesar de tudo e contra tudo, devemos amar muito! Primeiro, a Deus! Que nada e ninguém seja obstáculo para o nosso amor a Deus! Segundo, ao nosso próximo! Que nada, nenhuma filosofia, nenhuma religião, nenhum “ministério”, nenhuma ordenança de homens, nenhuma instrução extra-bíblica possa obstruir nosso amor ao próximo! E, meus caros, não há ninguém mais próximo do que nossos familiares. Se estão distantes talvez nós sejamos os culpados por esta situação.

Não sejamos hipócritas. Não é fugindo da família e dos amigos que vamos preservar a fé. Jesus andava, não com os religiosos, mas com os excluídos. Se você teme sair do “casulo” talvez não esteja pronto para voar nas asas da bendita Graça de Deus. Enquanto corajosos homens e mulheres de Deus gastam suas vidas em perigos de morte e em sofrimentos nas missões do Reino ao redor do mundo, uma grande parte de cristãos engorda egoisticamente em templos suntuosos excluindo das bençãos da Graça aqueles que estão tão próximos: Seus familiares e amigos. Tudo porque seus líderes os prendem com ameaças totalmente descabidas e anti-bíblicas.

Foi Deus quem instituiu a família. A família é a célula mater da sociedade. É do plano de Deus que a família reflita na sociedade as bençãos do Reino de Deus. A Igreja saudável é composta de famílias saudáveis. Mas o líder da igreja não tem supremacia sobre a família. São campos separados.

Jesus censurou gravemente os religiosos de seu tempo por invalidar a Palavra de Deus por causa de seus costumes: “Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas…” (Mateus 15:3-7a)

O que vemos em grande número são esposas que não respeitam seus maridos para só darem ouvidos aos seus pastores. Jovens que são instruídos a desconsiderarem o que seus pais falam como se os mesmos não fossem dignos de respeito. Toda legítima paternidade é oriunda de Deus Pai. Quantos erros induzidos pelos líderes. Quanto prejuízo espiritual! Quantas famílias dilaceradas. Se Jesus estivesse em carne em nossos dias, certamente trataria tais líderes como tratou os escribas e fariseus do primeiro século.

Primeiro Deus, depois a família, depois o resto! O nosso Deus é um Deus de ordem. É um Deus zeloso pelo amor e pela justiça. Hoje muitos cristãos simplesmente colocaram suas vidas nas mãos de outros homens. Isso é terrível, pois Deus nos chamou para a liberdade e muitos líderes impedem que seus liderados cresçam verdadeiramente na fé, pois lhes fornecem alimento pré-processado para que não tenham a liberdade de pensar por si só. Além disso, contribuem para a desagregação da família.
Peixes de aquário! Isto é o que muitos cristãos são hoje. Já não sabem o que é a abundância das correntezas, pois temem sair de seu cubículo. Pássaros de gaiola que desconhecem o voar na imensidão do céu da Graça.

O amor verdadeiro “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1 Coríntios 13:7). O cristão verdadeiro deve sempre cultivar este amor, começando por sua família e Deus lhe dará a força necessária para vencer todas as barreiras, porque o Reino de Deus está dentro do cristão: “E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós.” (Lucas 17:20-21)

Vivemos dias em que a sociedade está esfacelando a família com hábitos pecaminosos e leis destrutivas. A Igreja deve ser uma força para a preservação e restauração da família. A Igreja, como Corpo de Cristo, deve levantar sua voz de autoridade contra aqueles líderes que segregam seus seguidores, afastando-os de seus familiares ou desonrando os relacionamentos familiares como se estes fossem secundários. Famílias saudáveis compõem igrejas saudáveis. Será que devemos voltar ao discurso de João Batista: – “Arrependei-vos porque é chegado o Reino de Deus”?

Por Alma Saldável

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